Resenha: "Mestre Gil de Ham", de J. R. R. Tolkien

Mestre Gil de Ham





Título Original: Farmer Giles of Ham

Autor: J. R. R. Tolkien

Tradução: Waldéa Barcellos

Ilustração: Alan Lee

Editora: Martins Fontes

ISBN: 978-85-7827-577-8

Páginas: 102









Avaliação:






“A ascensão e as aventuras maravilhosas de Mestre Gil, Fazendeiro, Senhor de Tame, Conde de Worminghall e Rei do Pequeno Reino”


Resenha:

Vou começar dizendo que, quando peguei “Mestre Gil de Ham” nas mãos pela primeira vez, não esperava me surpreender da maneira que me surpreendi. Afinal, havia lido apenas as maravilhosas aventuras ambientadas na Terra Média, e não sabia bem o que esperar de algo em que não houvesse sinal de nenhum Senhor do Escuro, ou de hobbits, anões e elfos.

Pois bem, fico feliz em dizer que me encantei com a história nos primeiros parágrafos, quando fui apresentada a Aegidius Ahenobarbus Julius Agricola de Hammo, ou simplesmente Mestre Gil, e seu cachorro Garm.

A escrita do mestre Tolkien (acho que jamais cansarei de chamá-lo assim!) é simples e de fácil entendimento, e a história flui facilmente, além de contar com um toque cômico, que faz com que você comece a rir sozinho enquanto lê! Aliás, como “O Hobbit”, é ótima para se ler para pequenas pessoinhas curiosas, pois tem o seu toque de magia assegurado, já que os cães sabem falar a língua comum, e ainda existem gigantes e dragões!



Nossa história é ambientada no vale do Tâmisa, na Inglaterra, num passado distante e mágico, e começa num belo dia de verão, quando o maior e mais tolo dos gigantes ainda existentes resolve sair para um passeio e acaba se perdendo no escuro,várias horas depois, ao tentar retornar para sua própria casa – sua maior preocupação nem era pelo fato de estar perdido, mas sim por ter saído de casa e deixado sua melhor panela no fogo!

Alheio à preocupação do gigante, o cachorro Garm resolveu dar uma escapadinha noturna, algo que não tinha permissão para fazer. Para seu azar, acabou por se deparar com o gigante perdido, e se viu em apuros. Como o grande corajoso que era, meteu o rabo entre as pernas e saiu em disparada gritando por socorro! Assim ele acordou seu dono, que se viu na obrigação de sair da cama e defender sua propriedade da destruição causada pelos pés do tal gigante.

Munido de um bacamarte, que àquela época era a top entre as armas de fogo – já que a maioria das pessoas ainda usava arco e flechas -, Mestre Gil subiu a colina. Ao deparar-se com a cara redonda e iluminada do gigante – a lua estava brilhando diretamente sobre ele -, o pequeno homem disparou, caindo para trás com o golpe da arma em seguida. Ali deitado, ele já aguardava pelo momento em que seria esmagado pelos pés gigantescos, mas isso nunca aconteceu.

Atingido por um prego bem no nariz, o gigante deu meia volta e deixou as terras de Mestre Gil para trás. Não queria ficar num lugar onde houvessem mutucas capazes de perfurar sua pele grossa!

Sem sequer desconfiar dos motivos que levaram o gigante a ir embora, o pessoal de Ham deu vivas e bateu palmas para Mestre Gil por seu feito! Ele recebeu até mesmo alguns tapinhas nas costas das pessoas mais influentes, e após algumas doses de cerveja forte, ele mesmo já acreditava em sua bravura.

A notícia da grande vitória de Mestre Gil chegou aos ouvidos de Augustus Bonifacius, o rei do Reino Médio, e em pouco tempo – três meses - nosso “herói” recebeu uma carta com o belo selo vermelho real, assim como uma espada e um longo cinto, junto dos cumprimentos reais.

O tempo passou, chegou o inverno e, junto com ele, um terrível dragão! Grande parte da culpa por esse acontecimento cabia ao tal gigante, que em suas visitas em busca de uma panela de cobre emprestada, contou a quem quisesse ouvir sobre a terra farta que havia visitado no verão, onde havia carneiros e vacas em abundância e ninguém para incomodar.

Influenciado por essa história e pela promessa de comida farta, Chrysophylax Dives - um dragão de linhagem imperial e bastante rico - abriu suas asas e levantou voo, cerca de uma semana antes do Natal, chegando em silêncio no meio da noite e causando muitos estragos, além de devorar carneiros, gado e cavalos.

Alheio a isso, Garm passeava tranquilamente, usufruindo da brandura de seu dono. O que ele não esperava, ao seguir um cheiro novo, era dar com as fuças na cauda do terrível dragão, que acabava de pousar. O pobre animal deu meia volta e saiu em disparada, como nunca antes na vida,  gritando por socorro até alcançar a casa de Mestre Gil, já pela manhã.

Assim que soube por Garm da chegada do dragão, e que o mesmo estava arrasando terras muitos distantes de Ham, Mestre Gil se permitiu respirar aliviado, pois aquele não era um problema seu. Afinal, o Rei tinha vários cavaleiros à sua disposição para cuidar daquilo, certo? Mas os cavaleiros nada fizeram, por conta dos feriados de final de ano, campeonatos e quaisquer outras desculpas que puderam arranjar. E o dragão foi se aproximando mais e mais de Ham, e logo todos na vila já podiam ver a fumaça e fogo de Chrysophylax.

E foi assim que, mesmo após diversas desculpas esfarrapadas, Mestre Gil se viu indo de encontro ao temível dragão, armado com a espada que ganhara do Rei, a famosa Caudimordax (Morde-Cauda), e com a “armadura” que haviam feito para ele. Garm pedira socorro no instante em que seu dono lhe disse para acompanhá-lo, mas não teve escapatória e logo estava caminhando ao lado de Mestre Gil e de sua égua cinzenta, que parecia tão feliz quanto o dono em sair naquela missão terrível.

Já haviam percorrido vários caminhos e estradas, e estavam quase desistindo da busca e voltando para Ham quando, após uma curva fechada, depararam-se com o dragão! O cachorro covarde saiu gritando por socorro no mesmo instante, e Mestre Gil caiu para trás no momento em que a égua estacou no meio da estrada.

Quando se recompôs, percebeu Chrysophylax encarando-o. Mestre Gil e o dragão trocaram palavras corteses naquele primeiro instante; o primeiro pensando em escapar com vida, e o segundo, numa refeição mais tenra e gorducha do que a última.

Para azar da grande fera – que nem era muito corajosa -, sua tentativa de bote foi frustrada por Morde-Cauda, que reluziu bem próximo ao seu focinho. Foi o bastante para fazer Chrysophylax recuar, temeroso, além de aumentar significativamente a confiança e coragem de Mestre Gil.

Mais algumas palavras trocadas e um novo golpe da espada, e temos uma perseguição um tanto inusitada, com o dragão galopando à frente, fugindo em direção à Ham, e o fazendeiro e sua égua cinzenta perseguindo-o bem de perto, amedrontando-o cada vez mais.

Chrysophylax rendeu-se e largou-se ao chão bem em frente à igreja, pedindo clemência e prometendo pagar todos os prejuízos que havia causado. Os aldeões de Ham, em sua ignorância quanto à veracidade das promessas de um dragão, foram logo ludibriados. O dragão havia prometido todo o seu tesouro, e assim eles o deixaram partir, mas o lagartão não tinha intenção alguma de voltar, lógico. Na verdade ele ria por dentro!

Do mesmo modo que a aventura com o gigante, logo a história do dragão e suas riquezas chegou aos ouvidos do Rei, e ele não deixaria escapar a oportunidade de lucrar com toda aquela situação. Sua comitiva chegou à Ham apenas quatro dias após a partida de Chrysophylax, armando acampamento e causando furor na aldeia.

Para indignação de todos, a data marcada para o retorno da fera chegou e passou, e não tiveram nenhum sinal dele. O rei deixou o povoado cuspindo vespas, irritado por não ter visto uma única moeda de outro.

Poucos dias depois, uma nova carta real chegou à Ham, mas não havia nenhuma palavra cordial ali, como da última vez. Aquela era uma convocação para Mestre Gil, exigindo que ele se apresentasse na corte o quanto antes, para partir em busca de Chrysophylax e seus tesouros junto dos cavaleiros reais.

Como não era possível dar desculpas a um monarca como se fazia com os vizinhos, logo Mestre Gil se viu outra vez na estrada, junto de sua égua cinzenta e Caudimordax. Sua recepção na corte foi fria e rápida, e logo estavam na estrada outra vez, prontos para seguir as pistas que os levariam ao dragão mentiroso.

Vários dias de viagem foram empreendidos para que a comitiva alcançasse os domínios de Chrysophylax, mas o barulho de música e conversas logo os dedurou para o dragão, e eles foram surpreendidos pela fera, que matou alguns e assustou outros.

Apenas Mestre Gil se manteve ali, já que sua égua não se moveu um milímetro sequer. Bastou ter um vislumbre do homem, parado ali com sua espada, para que o medo substituísse a fúria do dragão. É aqui que se pode rir do dragão mais uma vez, já que ele faz de tudo para se manter bem vivinho. Ele sabe como ser bem dramático, aliás, e é isso que o deixa engraçado!

Mais alguma conversa, e logo boa parte do tesouro de Chrysophylax está à disposição de Mestre Gil. Claro que o dragão não lhe entregara tudo, mas o fazendeiro permitiu que ele ficasse com resto, para viver com alguma dignidade quando enfim voltasse para sua casa. Assim, partiram dragão, fazendeiro e égua em direção à Ham, e pelo caminho, mais homens e rapazes juntaram-se a eles.

Quem não ficou nada feliz com isso foi Augustus Bonifacius, que viu seu rico dinheirinho se distanciando cada vez mais. Obviamente ele ficou furioso, mandou buscar Mestre Gil uma porção de vezes, mas nosso “herói” nem lhe deu ouvidos. Por fim, o Rei, junto de alguns cavaleiros remanescentes, partiu para a vila de Ham, disposto a tomar o tesouro e prender o fazendeiro.

Ele só não esperava encontrar Mestre Gil à sua espera na ponte, com Garm deitado ao seu lado. Quando o monarca exigiu de volta sua espada, que o fazendeiro tinha nas mãos, o mesmo lhe exigiu sua coroa, o que fez com que o rei ficasse realmente enfurecido, mandando seus guardas prenderem Mestre Gil imediatamente.

Só não contavam com a presença de Chrysophylax, que até aquele instante estava escondido embaixo da ponte. Sua aparição fez todos os cavaleiros correrem para longe por suas vidas, mas Augustus Bonifacius não se deixou intimidar, mesmo que seu belo cavalo branco quisesse sair dali. Assim, o Rei ficou sozinho com seu cavalo, para conversar com um fazendeiro robusto, que empunhava Morde-Cauda, e seu amigo dragão.

Por fim, o Rei não recebeu nenhuma moeda e nem mesmo um pedido de desculpas. Digamos que ainda saiu no prejuízo, já que Mestre Gil declarou que aquelas terras não fariam mais parte do Reino Médio.

Assim surgiu o Pequeno Reino, e deu-se a ascensão de Mestre Gil. Ele tornou-se o Senhor de Tame, e alguns anos depois, foi coroado Rei Aegidius Draconarius. Chrysophylax permaneceu muito tempo em Ham, mas após vários pedidos, foi-lhe permitido voltar para sua própria casa.

Ali, teve de lutar para retomar seu lar, que havia sido invadido por outro dragão. Ao reconquistar seu lugar, permitiu-se tirar um longo cochilo, e quando por fim acordou, saiu em busca do mais alto e mais tolo dos gigantes para lhe dar um belo sermão! Afinal, se não fosse por ele, nada daquilo teria acontecido, não?




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